​​HIV: do surgimento à evolução do diagnóstico laboratorial

​​HIV: do surgimento à evolução do diagnóstico laboratorial

Publicado em 15 de dezembro de 2022
​​HIV: do surgimento à evolução do diagnóstico laboratorial

Os primeiros casos relacionados à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV – Human immunodeficiency virus) foram reportados em 1981 nos E.U.A., por meio de diversos casos de pacientes com infecções e doenças incomuns, tanto pela raridade dos casos quanto pela idade dos pacientes, divulgados no Relatório Semanal de Morbidade e Mortalidade do Centro de Controle de Doenças (CDC – Center for Disease Control). Em pouco tempo se compreendia que se tratava de uma doença com evidente comprometimento imunológico e que levava a uma severa imunodeficiência, tendo como grupo de maior prevalência a comunidade homossexual, mas não se atendo a este grupo, a quantidade de casos de pacientes explodiu rapidamente e tornou-se claro que se tratava de uma epidemia, sendo que as manifestações eram tão diferentes que deixaram médicos, cientistas e a população em pânico.

Apenas em setembro de 1983 o CDC usou pela primeira vez o termo AIDS (Acquired Immune Deficiency Syndrome) para definir a misteriosa doença, publicando em seu periódico a seguinte definição:

 “Uma doença pelo menos moderadamente preditiva de um defeito na imunidade mediada por células, ocorrendo em uma pessoa sem causa conhecida para diminuição da resistência a essa doença.”

No mesmo ano o pesquisador francês Luc Montagnier e sua equipe conseguiram isolar o vírus HIV no Instituto Pasteur na França, ao cultivar linfócitos T, oriundos de um linfonodo extraído por biópsia de um paciente com sintomas que precediam a AIDS. Já em 1984 o americano Robert Gallo e sua equipe conseguiram isolar o vírus HIV de um grupo maior de pacientes e sugeriram sua ação como causadora da AIDS. Sendo que apenas em 1986 o Comitê Internacional de Taxonomia Viral o reconheceria oficialmente como Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV – Human immunodeficiency virus).

O primeiro teste comercial licenciado pelo FDA (Food and Drug Administration) foi liberado em março de 1985 e baseava-se na técnica de ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay) e já foi introduzido na rotina dos bancos de sangue para triagem do suprimento de sangue do país e em agosto do mesmo ano as forças armadas começaram a testar todos os seus novos recrutas. Em dezembro de 1985 o Instituto Pasteur entrou com uma ação contra o governo americano reivindicando o reconhecimento por terem descoberto o vírus HIV primeiro que os americanos e a permissão para que as empresas detentoras da patente do teste para HIV o licenciem para que outras empresas também possam produzi-lo, uma disputa que terminou apenas em 1987, levando à quebra da patente do teste e o direcionamento da maior parte de seus royalties a instituições de pesquisa e prevenção da AIDS.

A primeira evolução nos testes para detectar o HIV ocorreu em 1987 com a aprovação do teste de Western blot pelo FDA, o qual apresentava resultados mais específicos na identificação de anticorpos reativos ao vírus.  Os testes moleculares de PCR foram utilizados pela primeira vez em 1985, mas apenas em 1987 foram adotados para acompanhamento e avaliação da resposta terapêutica à infecção do HIV. Já o primeiro teste rápido para identificação do vírus foi aprovado pelo FDA em 1992, uma significante evolução ao diagnóstico uma vez que podia ser aplicado por qualquer profissional de saúde, no entanto o teste apresentava uma série de fatores limitantes ao seu uso. Já no ano de 1993, uma nova resolução do CDC expandia a definição, para considerar um paciente soropositivo para HIV como sendo acometido pela AIDS, aqueles que apresentassem a contagem de células CD4 abaixo de 200 células/mm3. De volta à pesquisa de anticorpos contra o HIV, o primeiro teste cuja matriz não era o sangue, foi aprovado pelo FDA em 1994 e tratava-se em um teste em saliva, mas foi apenas em 1996 que o primeiro teste de auto coleta foi aprovado, o que permitia amplo acesso ao diagnóstico sem a necessidade da busca por um serviço de saúde para sua execução. Neste mesmo ano também foi aprovado o primeiro teste de quantificação da carga viral do HIV e o teste que utilizava a urina como matriz.

Uma significativa evolução em testes rápidos ocorreu em 2002, com a aprovação do FDA de um teste, em gota de sangue, apresentando 99,6% de exatidão e, diferentemente de outros testes de pesquisa de anticorpos, podia ser armazenado em temperatura ambiente e não necessitava de outros equipamentos, já o teste rápido utilizando saliva chegou ao mercado 2 anos depois em 2004. O primeiro teste capaz de diferenciar o HIV-1 e o HIV-2 só chegou no mercado em 2015, o teste ainda foi capaz de diferenciar infecções agudas daquelas já estabelecidas.

Após ter mostrado a sequência de eventos ocorridos ao longo dos anos em relação à adoção de exames e metodologias para o diagnóstico do HIV e para acompanhamento dos pacientes infectados, explicaremos de forma simples a importância dos principais testes utilizados atualmente para este fim:

Testes Rápidos

  • Os testes rápidos são testes imunocromatográficos que se baseiam na identificação de anticorpos (IgG, IgM, IgA) reativos ao vírus HIV, geralmente utilizam uma membrana de nitrocelulose a qual tem proteínas do vírus adsorvidas em uma de suas extremidades. A amostra é aplicada e o material biológico “migra” até a região onde estão as proteínas virais e, havendo anticorpos, estes se ligarão às proteínas e ao final do teste são evidenciados devido a uma reação colorimétrica.

Sorologia

  • Pesquisa de anticorpos: representa os primeiros testes produzidos para o diagnóstico da infecção, utilizando principalmente a técnica de ELISA ou suas variações e detectando a presença de anticorpos contra o vírus HIV tendo, portanto, a limitação da janela imunológica, período em que um paciente pode estar infectado com o vírus, mas seu sistema imunológico ainda não produziu anticorpos.
  • Western blot: o teste tem sido amplamente utilizado como confirmatório após um teste de sorologia positivo, ele permite a apresentação de proteínas específicas do HIV a fim de identificar com alta especificidade a presença de anticorpos na amostra avaliada, específicos contra o HIV.
  • Testes de 4ª geração: apresentam maior precisão ao diagnóstico por combinarem a pesquisa de anticorpos dirigidos ao HIV e também a pesquisa de proteínas específicas do vírus, neste caso a p24, produzida entre 2 a 3 semanas após a infecção e antes da produção de anticorpos.

Testes Moleculares

  • RT-PCR: o teste é capaz de detectar a presença do vírus na amostra do paciente, amplificando seu material genético e possui alta sensibilidade e especificidade, sendo possível obter um resultado já nos primeiros dias de infecção, evitando-se assim o tempo de janela imunológica.
  • Carga viral: utilizando também a técnica de RT-PCR, o teste é capaz de mensurar a quantidade de partículas virais infectante, informação importante para avaliar o comportamento do paciente em relação ao tratamento e eficácia na busca da supressão viral.
  • Sequenciamento: para aqueles pacientes cujo tratamento não é eficaz ou perca sua capacidade de suprimir a multiplicação dos vírus, é realizado o sequenciamento do material genético viral e obtendo essa informação confrontá-la com bancos de dados internacionais com milhares de sequências já descritas e informação das melhores drogas a serem adotadas na estratégia de supressão daquela variante viral.

Citometria de Fluxo

  • A citometria de fluxo tem sido utilizada para acompanhamento da proporção de células CD4⁺ / CD8⁺, sabidamente o vírus HIV infecta os linfócitos T CD4⁺, se multiplicam em seu interior e destroem estas células para poderem infectar outras células. Indivíduos sadios apresentam uma proporção 2 / 1 em relação às células CD4⁺ / CD8⁺, sendo que o desequilíbrio nesta relação leva a imunodeficiência, uma vez que estes linfócitos são os responsáveis pelo desencadeamento de toda a resposta imunológica adaptativa e é esse desequilíbrio que é usado como base para a definição de quando o paciente começa a desenvolver a doença (AIDS). Seu monitoramento permite ao clínico abordar diferentes estratégias no tratamento a fim de evitar que a doença se estabeleça.

Tempo médio para detecção do HIV após a exposição:

Fonte: Adaptado de “HIV testing and risks of sexual transmission Appendix 1: Different types of HIV test

Os testes rápidos por atuarem também na detecção de anticorpos presentes na amostra, também vão apresentar resultados positivos após 90 dias da exposição, no entanto terão sensibilidade e especificidade substancialmente inferiores aos testes executados em ambiente laboratorial.

Referências:

The discovery of HIV-1 – Nature portfolio, 28 novembro de 2018

https://www.hiv.gov/

https://www.nature.com/articles/d42859-018-00003-x#:~:text=In%201983%2C%20Luc%20Montagnier’s%20team,AIDS)%2C%20such%20as%20lymphadenopathy.

https://i-base.info/

https://i-base.info/guides/testing/appendix-1-different-types-of-hiv-test

​​ Conteúdo elaborado por Thiago Guerino – Gerente de Produto do Brasil Apoio