Saúde Mental – Biomarcadores para avaliação do Estresse, Ansiedade e Depressão

A campanha nacional intitulada “Janeiro Branco” traz à tona a necessidade de atenção aos cuidados relacionados a Saúde Mental e Emocional das pessoas, ato extremamente pertinente nos dias atuais onde cada vez mais são diagnosticados casos de estresse, ansiedade, depressão e seus decorrentes distúrbios. Pesquisas mostram que a depressão é a segunda doença mais comum no mundo, ficando atrás apenas de doenças cardíacas e estima-se que até 2030 se torne a primeira. À medida que temos cada vez mais acesso aos mais diversos conteúdos e estamos conectados a tudo e a todos, aparentemente esta sobrecarga de informações tem prejudicado nossas mentes, fazendo emergir um número crescente de pessoas diagnosticadas com doenças de origens psicoemocionais.

Esses distúrbios estão intimamente relacionados entre si, eles ocorrem simultaneamente ou seguem um ao outro, sendo que em algum momento apresentam sintomas semelhantes. Estas doenças têm seu diagnóstico pautado principalmente na anamnese clínica, uma vez que os exames laboratoriais habituais têm aplicação reduzida e muitas vezes não contribuem para o esclarecimento das dúvidas do médico que faz o diagnóstico, permitindo o tratamento adequado o mais rápido possível.

 No entanto, há um número crescente de estudos apontando a possibilidade da utilização de marcadores biológicos potenciais, ou biomarcadores, que apresentam alterações consistentes à medida que estes transtornos se desenvolvem, principalmente nos casos de ansiedade, depressão e estresse. Estes marcadores podem ainda, auxiliar o monitoramento da eficácia do tratamento farmacológico prescrito.

Nesse sentido, abordaremos abaixo os principais biomarcadores relacionados a distúrbios psicoemocionais e seus mecanismos de atuação que corroboram essa associação. Para tal, buscamos estudos que utilizaram a saliva como fonte de obtenção destes marcadores biológicos. Esta matriz se mostra ideal uma vez que não coagula, é estável por 24 horas em temperatura ambiente e por uma semana a 4 °C. Seu uso no diagnóstico clínico vem se tornando cada vez mais popular, é barato, não invasivo, indolor e conveniente tanto para crianças pequenas quanto para idosos, traz a comodidade de poder ser coletada na casa do paciente e transportada para o laboratório sem o envolvimento de qualquer equipe médica. A saliva contém muitas substâncias, cuja concentração reflete a saúde de todo o organismo, e pode ser usada na detecção fácil e rápida de alterações patológicas precoces em humanos, sendo possível determinar seus componentes de forma barata usando métodos imunológicos e/ou bioquímicos específicos e sensíveis, como radioimunoensaio (RIA), ensaio imunoenzimático (ELISA), espectrofotometria ou cromatografia.

Biomarcadores salivares associados a distúrbios psicoemocionais:

Cortisol: O cortisol é um hormônio produzido pelo córtex adrenal, principalmente na segunda metade da noite, sendo que seus níveis séricos são mais altos entre 7h e 8h da manhã. Este hormônio ativa o mecanismo de resposta de “luta ou fuga” do corpo, e quando uma pessoa é exposta ao estresse mental ou físico, as glândulas suprarrenais produzem quantidades aumentadas de cortisol, que por sua vez estimula a atividade de outros hormônios do estresse, como adrenalina e noradrenalina; promove a ativação do metabolismo com aumento da energia, incluindo a  liberação de glicose no sangue,  fornecendo ao corpo um impulso adicional de energia para lidar com o estresse da situação. Assim sendo, ele é comumente usado como um marcador biológico de estresse, principalmente estresse agudo. Mas, após exposição prolongada ao estresse, o eixo hipotálamo – pituitário – adrenal (HPA) se torna menos sensível, levando à exaustão e consequente diminuição da produção de cortisol pelas glândulas adrenais. Este conceito foi validado pelos resultados de um estudo com participantes com transtornos de ansiedade de longo prazo, que apresentaram menor produção de cortisol do que em controles saudáveis.

Imunoglobulina A (IgA): As imunoglobulinas, comumente conhecidas como anticorpos, são proteínas responsáveis por respostas específicas do sistema imunológico humano. Os transtornos de ansiedade podem deteriorar o sistema imunológico e, portanto, a produção de imunoglobulinas é alterada em resposta a fatores psicológicos, como humor positivo (aumento) e negativo (diminuição) ou estímulos estressantes (diminuição). A IgA é uma classe de anticorpos encontrado principalmente nas membranas mucosas, incluindo a mucosa oral. Esses anticorpos são frequentemente o principal fator de resposta do corpo ao se deparar com um patógeno ou alérgeno. Fatores psicológicos também podem alterar a concentração de IgA na saliva; por exemplo, um humor positivo causa um aumento do nível, enquanto estímulos negativos e estressantes resultam em uma diminuição. Estudos demonstraram que existe uma forte associação entre estresse percebido, ansiedade e baixos níveis de IgA salivar.

Lisozimas: São proteínas produzidas e liberadas por macrófagos e outros monócitos estando, portanto, circulando nos tecidos e secreções corporais, incluindo a saliva. A lisozima fornece propriedades antibacterianas à saliva e contribui para a defesa antiviral. Alguns estudos mostram concentrações visivelmente mais baixas de lisozima em amostras de saliva coletadas em pessoas passando por um momento de estresse e ansiedade, como por exemplo previamente a realizar uma prova, em contraste, os valores após o período estressor mostraram valores consideravelmente diferentes. Uma correlação negativa entre a concentração de lisozima e a exposição ao estresse também foi demonstrada por outros pesquisadores, que confirmam adicionalmente a teoria de que houve um aumento da suscetibilidade a qualquer infecção durante a exposição ao estresse, sugerindo que a lisozima salivar pode ser útil como um potencial marcador de estresse.

Melatonina: É um hormônio derivado da serotonina, produzido na glândula pineal, cuja principal função é sincronizar o relógio biológico humano com o ciclo diurno e noturno. Sua concentração flutua ao longo do dia, aumentando durante a noite até atingir seu pico por volta das 2 a 4 horas da manhã e diminui gradualmente até as primeiras horas da manhã, quando sua produção é interrompida. Ao permitir a regeneração adequada do corpo humano durante o sono, a melatonina aumenta a resistência a fatores externos (físicos e mentais). Os distúrbios do sono, entre eles dificuldade em adormecer, incapacidade de manter o sono contínuo, resultando em má qualidade do sono ou despertar prematuro, também podem ser causados por estresse crônico, que ao longo do tempo podem ter um efeito negativo na saúde, diminuindo a imunidade, aumentando o risco de hipertensão arterial, doenças cardíacas ou resistência à insulina. Distúrbios do ritmo circadiano (incluindo insônia), que ocorrem frequentemente durante estresse, depressão ou ansiedade, aumentam adicionalmente o nível de estresse mental e aprofundam o estado depressivo. Pesquisadores mostraram que a concentração de melatonina na saliva estava correlacionada com transtornos de ansiedade, sendo que curiosamente, no caso da depressão, essa correlação foi muito mais forte. Outros estudos mostraram uma redução significativa no nível de melatonina na saliva de soldados com transtorno de estresse pós-traumático. Os resultados divulgados pelos cientistas parecem extremamente propícios, portanto, vale a pena expandir a pesquisa científica sobre a melatonina na saliva pois ela pode ser um biomarcador valioso no futuro.

Alfa Amilase Salivar: É a principal enzima digestiva encontradas na cavidade oral, sendo responsável tanto pela hidrólise do amido e do glicogênio quanto pela função imunológica, conferindo proteção à cavidade oral contra infecções. Além disso, a alfa-amilase salivar também é um marcador de resposta a estímulos que ativam o sistema simpático. Seus níveis são mais baixos no início da manhã e se tornam mais altos ao final da tarde. Em resposta ao estresse, há um rápido aumento na concentração de alfa-amilase na saliva, o que pode torná-la um biomarcador significativo no futuro. O estresse agudo ativa o eixo do sistema nervoso simpático, a medula adrenal, que se reflete tanto no nível de alfa-amilase salivar quanto na concentração de Cromogranina A na saliva.

Cromogranina A (CgA): A cromogranina é uma proteína liberada pela medula adrenal e terminações nervosas simpáticas, que pode ser detectada em amostras de saliva. Um aumento notável na absorção de CgA foi encontrado na saliva de animais expostos a uma situação estressante. A CgA salivar foi sugerida por muitos pesquisadores como um biomarcador salivar sensível e promissor para estresse psicossomático. Está provado que um aumento rápido e específico de CgA na saliva humana ocorre em resposta a vários fatores de estresse, como por exemplo, falar em público, disputa esportiva, exposição a ruído, intervenção médica ou dirigir um carro. No entanto, não há relatos sobre o nível de cromogranina A salivar em pessoas com diagnóstico de depressão ou ansiedade. Uma vantagem significativa da determinação da CgA salivar, em comparação com os biomarcadores de estresse na saliva mencionados acima (cortisol, alfa-amilase, IgA), é que os níveis de CgA não são afetados pela hora do dia, embora as concentrações de CgA salivar atinjam o pico logo após acordar, elas diminuem muito rapidamente (em apenas 1 h), permanecendo constantes ao longo do dia.

Fator de Crescimento Fibroblástico 2 (FGFR2): O FGFR2 atua como um mitógeno para diferentes tipos de células encontradas nas glândulas salivares e saliva que estão envolvidas em funções fisiológicas relacionadas à regulação do estresse e neuroregeneração, sendo reconhecido como um regulador endógeno da expressão do medo. Durante estudos em ratos, os pesquisadores provaram que o FGFR2 é um marcador biológico promissor para a suscetibilidade ao estresse e transtornos de ansiedade. Curiosamente, a expressão de medo, medida entre um grande grupo de pessoas saudáveis submetidas a estressores, correlacionou-se negativamente com o nível de FGFR2 medido na saliva. Portanto, ele pode ser usado como um biomarcador de estresse. Além disso, pessoas com um ponto inicial mais baixo de FGFR2 devido à exposição ao estresse podem ter dificuldades psicológicas em lidar com o estresse e, como resultado, serem mais propensas a transtornos de ansiedade.

Biomarcadores salivares e sua relação nos distúrbios psicoemocionais:

No geral, é altamente improvável que um único biomarcador comum para estes transtornos possa ser estabelecido. No entanto, embora o diagnóstico ainda seja amplamente baseado em sintomas clínicos, os biomarcadores salivares apresentam alto potencial para aplicabilidade ao diagnóstico e companhamento de pacientes com distúrbios psicoemocionais como o estresse, ansiedade e depressão.

Referências:

Chojnowska S, Ptaszyńska-Sarosiek I, Kępka A, Knaś M, Waszkiewicz N. Salivary Biomarkers of Stress, Anxiety and Depression. J Clin Med. 2021 Feb 1;10(3):517. doi: 10.3390/jcm10030517. PMID: 33535653; PMCID: PMC7867141.

Łoś K, Waszkiewicz N. Biological Markers in Anxiety Disorders. J Clin Med. 2021 Apr 17;10(8):1744. doi: 10.3390/jcm10081744. PMID: 33920547; PMCID: PMC8073190.

Lab Tests for an Anxious Person? – https://mentalfitnessclinic.com/lab-tests-for-an-anxious-person/

Mental Health – https://www.nhs.uk/mental-health/

About Mental Health – https://www.cdc.gov/mentalhealth/learn/index.htm

Types of mental illness – https://www.healthdirect.gov.au/types-of-mental-illness

Mental health statistics – https://www.mentalhealth.org.uk/explore-mental-health/statistics

Conteúdo elaborado por Thiago Guerino – Gerente de Produto do Brasil Apoio