Alterações cromossômicas

As alterações genéticas são frequentemente associadas com doenças ou síndromes. Existem diversos tipos dessas alterações, sendo a quantidade de material genômico envolvido um dos fatores por trás de seu impacto clínico. Dentre eles, os dois tipos principais são “variantes de nucleotídeo único” e “alterações cromossômicas”.

As “variantes de nucleotídeo único” são caracterizadas por afetarem poucos pares de bases (ou “letras”) do código do DNA, de forma que a sua associação com doenças depende, principalmente, da localização no genoma. Já as alterações cromossômicas geralmente atingem milhões de pares de bases de DNA. Quando uma grande quantidade de material genético é alterada, aumenta-se o risco de ocorrência de síndromes.

Como são classificadas as alterações cromossômicas?

Essas alterações podem ser classificadas como numéricas ou estruturais. Quando o genoma do indivíduo apresenta uma quantidade de cromossomos inteiros em excesso ou faltando, chamamos essa variação de “numérica”. O exemplo mais conhecido de alteração cromossômica numérica é a síndrome de Down, que é causada pela trissomia do cromossomo 21, ou seja, um cromossomo 21 a mais no genoma.

Por outro lado, as alterações cromossômicas estruturais acontecem quando pedaços (ou “segmentos”) de cromossomos estão a mais ou a menos, ou ainda, quando eles mudam de lugar. As alterações cromossômicas estruturais mais frequentes implicam em duplicações ou deleções de grandes segmentos genômicos, que geralmente envolvem diversos genes. Para que essas alterações ocorram, acontecem quebras no segmento de DNA que compõe o cromossomo. Qualquer cromossomo pode sofrê-las, havendo grande heterogeneidade de tamanhos de segmentos genômicos afetados e, consequentemente, de alterações clínicas associadas.

Tipos de avaliação de alterações cromossômicas

Os exames de análises cromossômicas geralmente são solicitados quando o indivíduo possui uma malformação congênita associada a alterações no neurodesenvolvimento, sem que haja suspeita de uma síndrome genética causada por variantes de nucleotídeo único. Outros casos em que a avaliação de alterações cromossômicas pode auxiliar no diagnóstico são atraso da puberdade, baixa estatura, infertilidade ou abortos de repetição.

O estudo dos cromossomos surgiu com a citogenética clássica, que se utiliza do exame do cariótipo por bandamento G. Apesar de ser comumente utilizado como primeira triagem diagnóstica para alterações cromossômicas, o exame apresenta uma baixa resolução. Por isso, ele impede a determinação precisa da localização de quebras cromossômicas ou o tamanho do segmento genômico afetado pelas alterações estruturais.

Nos últimos anos, o estudo de alterações cromossômicas estruturais com metodologias moleculares de alta resolução tem permitido o reconhecimento de genes e de regiões genômicas responsáveis por determinadas características humanas. Em muitos casos, após a identificação do segmento cromossômico duplicado ou deletado, é possível oferecer um melhor prognóstico e aconselhamento genético às pessoas com alterações cromossômicas estruturais e suas famílias.

Pelo fato de as alterações estruturais serem mais complexas e heterogêneas, elas são estudadas com maior frequência na pesquisa científica. Esses estudos se propõem a correlacionar o segmento cromossômico afetado pela alteração estrutural com o quadro clínico do indivíduo, o que é chamado de “correlação genótipo-fenótipo”. Para que essa correlação aconteça, os pontos de quebra dos cromossomos precisam ser definidos com alta resolução por metodologias moleculares.

Testes de alta resolução para avaliação de pontos de quebra cromossômica

Para melhor delineamento molecular e identificação das alterações cromossômicas, diversas técnicas foram desenvolvidas e aprimoradas. A principal delas é o array genômico, uma técnica de alta resolução que analisa o genoma em sua totalidade, incluindo detecção de ganhos e perdas no material genético.

Existem alguns tipos de array genômico, como por exemplo o array CGH (do inglês, Comparative Genomic Array), demonstrado na imagem abaixo.

O procedimento do array CGH requer duas amostras de DNA, uma amostra de referência (ou seja, material genético de uma pessoa sem alterações cromossômicas) e uma amostra do paciente. Essas amostras de DNA são geralmente obtidas a partir de uma coleta de sangue. Os fragmentos genômicos são marcados com fluorescência, neste caso, verde para DNA referência e vermelho para a amostra do paciente.

Em uma lâmina, há a disposição de milhares de segmentos pequenos de DNA, contendo sequências complementares a regiões do genoma, chamadas de “sondas”. Essas sondas servem para avaliar a quantidade de material genético dos seus alvos genômicos, determinando se há perdas ou ganhos de DNA no genoma do paciente.

Como demonstrado na imagem abaixo, nas regiões em que o número de cópias no DNA da amostra teste (do paciente) for igual ao número de cópias da amostra de referência, o verde e vermelho são misturados de forma equivalente, e as sondas ficarão amarelas. Já nas regiões em que houver uma deleção no paciente, as sondas ficarão verdes, pois a fluorescência do DNA de referência vai se sobressair. Se houver duplicação no paciente, as sondas ficarão vermelhas.

A avaliação da emissão de fluorescência ocorre depois que os segmentos de DNA provenientes das amostras de material genético se ligarem às sondas. A lâmina de array é então analisada por um software, que quantifica a fluorescência emitida por cada sonda e a traduz em número de cópias de DNA do genoma do paciente.

Procedimento do array CGH. (A) Amostras de DNA de referência e do paciente. (B) Lâmina com milhares de sondas. (C) Avaliação sobre quantidade de material genético dos alvos das sondas no genoma, determinando se há perdas ou ganhos de DNA na amostra do paciente. (D) Avaliação da emissão de fluorescência por um software de análise de dados. (E) Tradução do sinal de fluorescência emitida por cada sonda em número de cópias de DNA no genoma do paciente.
DNA

Medicina de Precisão

A Medicina Convencional utiliza uma abordagem reativa, isto é, tratando as doenças após elas já terem causado sintomas no paciente. Além disso, a medicina convencional é baseada em tratamentos generalizados e padronizados, que têm sua eficácia testada em escala populacional e que funcionam para a maioria das pessoas em um grupo grande de indivíduos.

Por outro lado, a Medicina de Precisão, com base em uma abordagem individualizada, é voltada para a prevenção de doenças e para a aplicação de terapias mais eficientes levando em consideração o perfil específico e as particularidades do organismo de um determinado indivíduo. Essa nova modalidade da medicina tende a proporcionar maior qualidade de vida aos pacientes, pois evita tratamentos mais longos e debilitantes. A medicina de precisão possibilita menores gastos públicos e privados com a saúde, já que é muito mais fácil e barato prevenir doenças do que tratá-las depois que os sintomas já apareceram.

A medicina de precisão é uma abordagem de acompanhamento ou tratamento personalizado ao paciente, com base, principalmente, no seu perfil genético e metabólico. Os recentes progressos em pesquisas na área de genética humana têm sido importantíssimos para a medicina de precisão. Após o Projeto Genoma Humano, que ocorreu de 1990 a 2003, houve um barateamento e uma maior disseminação de técnicas de genotipagem em larga escala, ou seja, técnicas que fazem a leitura de grande parte do código genético do indivíduo. A partir desses estudos, houve grandes avanços nas descobertas de biomarcadores genéticos para muitas doenças e para respostas a diversos medicamentos. Estudar a genética humana também nos permite desenvolver novas técnicas de diagnóstico e terapias. Recentemente, a descoberta do sistema de edição genética por CRISPR e o uso de células-tronco em terapias celulares abriu uma gama de possíveis aplicações para a medicina de predição.

A medicina de precisão pode ser aplicada em diversas áreas e para finalidades diferentes. predição de riscos de doenças, farmacogenética e auto-transplantes.

Predição de riscos de doenças:

A medicina de precisão leva em conta as variantes presentes no DNA de cada indivíduo para predizer se essa pessoa possui um risco genético maior de desenvolver certos problemas de saúde, como doenças cardiovasculares, câncer, doenças psiquiátricas, entre outros. Atualmente, muitas pesquisas dessa área estão focadas na descoberta de novas variantes genéticas (ou seja, “mutações”) que estejam associadas com doenças e na avaliação das consequências dessas variantes para a saúde dos indivíduos.

Os biomarcadores genéticos têm um importante papel na predição de doenças e tratamentos personalizados. Tratam-se de alterações no genoma que sinalizam a ocorrência ou a maior chance de ocorrência de processos relacionados a doenças. Os biomarcadores genéticos podem ser variações na sequência de DNA ou modificações epigenéticas, que alteram a expressão, a regulação ou o funcionamento dos genes. Por meio deles, é possível predizer o risco de um indivíduo desenvolver doenças no futuro ou como um paciente poderá responder a um determinado tratamento. A predição dos riscos genéticos de se desenvolver doenças é muito útil para que as pessoas obtenham um diagnóstico precoce e preciso, possibilitando, em alguns casos, a prevenção da enfermidade ou a escolha de um tratamento mais assertivo e com menos efeitos indesejados.

Farmacogenética

A Farmacogenética é a área que estuda como as características genéticas de cada pessoa podem influenciar na resposta de seu organismo a um determinado tratamento medicamentoso, como a eficácia e a duração do efeito de um medicamento, ou até mesmo seus possíveis efeitos adversos.

Dessa forma, o objetivo da farmacogenética é possibilitar a oferta de tratamentos personalizados de acordo com as características genéticas de cada indivíduo, de forma a minimizar efeitos colaterais e potencializar o efeito terapêutico.

Autotransplante

Ocorre quando tecidos, órgãos, células ou até mesmo proteínas são transportados de uma parte do corpo de uma pessoa para outra parte do corpo deste mesmo indivíduo (para saber mais sobre transplante, acesse a Edição 46 do Gibi Dona Ciência sobre Imunodeficiências).

O autotransplante, quando possível, geralmente é uma alternativa interessante em relação ao transplante alogênico (ou seja, quando o tecido, órgão ou célula recebidos provêm de outro indivíduo), pois há menores riscos que o paciente tenha rejeição ao transplante.

A possibilidade de se fazer terapias com células-tronco trouxe novas perspectivas para o uso dos autotransplantes. As células-tronco podem ser definidas como células indiferenciadas ou não especializadas. Elas não somente são capazes de originar outras células-tronco, como também se diferenciam em diversos outros tipos de células especializadas. A partir deste processo de diferenciação celular, as células-tronco podem ser utilizadas para restaurar a função de tecidos com danos ou criar novos tecidos in vitro (ou seja, fora de um organismo vivo).


Um dos maiores exemplos de como o CRISPR pode revolucionar a área de saúde é o seu uso em terapia gênica para tratamentos contra o câncer. Uma dessas terapias baseia-se na produção de células CAR-T (do inglês, chimeric antigen receptor T-cell) a partir dos linfócitos T, que são células do sistema imune muito importantes para a defesa do nosso organismo contra agentes desconhecidos. Portanto, as células CAR-T são linfócitos T modificados geneticamente pela técnica de CRISPR e programados para reconhecer e combater células do câncer. Para a realização dessa terapia, os linfócitos T do próprio paciente são transformados em células CAR-T e inseridos novamente em sua circulação sanguínea. Ou seja, as próprias células do paciente são reprogramadas geneticamente para conseguir combater o câncer.

As perspectivas futuras da medicina de precisão estão relacionadas com a predição cada vez mais ampla e específica de doenças e com o crescimento da prevenção e do tratamento personalizados de problemas de saúde em um cenário onde procedimentos inovadores possibilitarão tratar enfermidades com grande impacto na mortalidade da população e que, até então, não possuíam cura.